Aurora

2021

Gisela João coloca na tristeza uma pressão que vem do tom com que recebe cada letra. 

O fado aqui acelera, ganha velocidade como se a tristeza tivesse pressa. 

Não é um sítio para ficar - a tristeza é, umas vezes, o corredor de uma casa por onde se passa rapidamente para outro lado; não é para sentar, mas para circular. Um ponto de passagem. 

Outras vezes não. Em certas músicas, é mesmo para escavar esse instável sítio até ao fundo. 

Há abandono, melancolia e perda amorosa, desistências e mudanças decisivas: 

"Já não choro por ti/já não vou de rua em rua/ no encalço de quem/ saiba dar notícia tua" 

mas também a vibração feminina que dá uma resistência diferente às letras do fado. 

As “tábuas do palco”, de Gisela João – tema que percorre todo o disco - por vezes salvam um corpo inteiro, outras vezes sacrificam-no: "arranho o joelho e sangro", "eu calço o soalho e canto". 

Mas as tábuas do palco são sempre essenciais. Do chão, quem canta espera sempre muito – espera tudo ou quase tudo. 


AuRora por Gonçalo M. Tavares